Psicologia no Futebol

choro de messiRecentemente tivemos acontecimentos marcantes no Futebol em que os aspectos psicológicos ficaram mais evidenciados. Na Copa America, na Eurocopa e em declarações do antigo técnico da seleção brasileira, a psicologia do esporte esteve em pauta.

Houve o episódio do pênalti mal batido de Messi na final da Copa America contra o Chile, sua tristeza e autocobrança por ter perdido mais um título com a camisa da Argentina, mesmo já tendo ganho tudo em seu clube e sendo o jogador mais vitorioso da década, Messi não conteve sua emoção ao ser derrotado. Na Eurocopa, principalmente, na disputa entre Itália X Alemanha, vimos atletas desperdiçarem sucessivamente suas penalidades. Vale lembrar que Socrátes, Zico, Platini, Baggio, Baresi, Cristiano Ronaldo e muitos outros grandes jogadores já perderam pênaltis decisivos. Isso faz deles menos extraordinários? Amarelões? Displicentes? É inegável que toda a pressão desse momento está no pé do atleta que irá fazer a cobrança. Portanto, saber gerenciar o estresse e suas emoções nesses segundos decisivos são  habilidades fundamentais. O blog já escreveu sobre isso no passado, veja no texto abaixo. Pênalti não é loteira (confira nas referencias desse post artigos científicos relacionados a essa temática).

Real Madrid perdeu para a cabeça

No trabalho de base de futebol a grande maioria dos clubes tradicionais do país contam com psicólogos do esporte auxiliando na formação atlética. A psicologia do esporte é fundamental na formação profissional e pessoal do indivíduo. Na idade adulta é importante para a manutenção das habilidades psicológicas, principalmente (mas não só) com relação ao desempenho sob pressão, a coesão de grupo, a concentração e o gerenciamento emocional e de estresse. Estranho é que essa realidade ainda não  é transferida  nesses mesmos clubes aos atletas adultos.  Suspeito que os motivos são desconhecimento e até preconceito. Há medo que a associação com a psicologia será profissionalmente prejudicial. Os jogadores podem pensar que, se eles admitem que algo está errado, poderiam ser retirados da equipe, eles muitas vezes não contam a ninguém sobre questões emocionais. O mesmo pode ser dito de clubes que não compartilham publicamente que trabalham com psicólogos. Muitos não querem que essas informações cheguem a imprensa. O problema com a psicologia do esporte no futebol é que muitos gerentes, treinadores e torcedores pensam: ‘o que o psicólogo faz ajuda a colocar a bola na rede?’ Eles não percebem a conexão. O Santos FC é um desses exemplos que conta com um trabalho integrado na base e no profissional, o blog já conversou com a colega Juliane Fechio, psicóloga do esporte do Santos http://psicologianoesporte.com.br/entrevista-juliane-fechio/ 

A seleção de País de Gales também conta com um psicólogo do esporte e esse aspecto ajudou na coesão do grupo e na confiança dos atletas para voltarem a ser protagonistas em torneios internacionais já que não disputavam desde 1958. Após a eliminação para a Islândia na Eurocopa, Associação de Futebol da Inglaterra quer empregar psicólogos do esporte em torneios. A equipe Inglesa terá profissionais dedicados em tempo integral, em vez somente do  apoio consultivo prestado pelo Dr.Steve Peters, para procurar evitar mais uma repetição da paralisia da equipe nacional sob pressão se chegar à Copa do mundo de 2018.

Certamente os psicólogos do esporte falastrões vão garantir que ao contratá-los os problemas  acabarão e portanto todas as equipes irão ser vencedoras. Eles sempre vão “encontrar” déficits psicológicos ou emocionais em todas as derrotas, até por que tem a certeza de que a psicologia se sobrepõe as outras esferas das ciências do esporte. Não acredite em falácias, crenças fantasiosas e delírios de grandeza. A psicologia é sim um elemento muito importante na preparação atlética, mas não ganha absolutamente nada sozinha, a ciência moderna é interdisciplinar. Obvio que uma boa preparação mental pode ser o grande diferencial nos momentos crucias das competições, mas não é garantia, já que o esporte é executado por pessoas, entretanto, não são programáveis ao ponto de ser infalíveis. O ônus da derrota não é do psicólogo, assim como também não é o bônus da vitória, tudo deve ser compartilhado com os demais membros da comissão técnica.

portugal euro

Dunga em uma de suas últimas entrevistas como técnico da seleção brasileira ao lado do treinador Levir Culpi no evento “Somos Futebol”, disse:

“O jogador chega na seleção depois de uma viagem de 11 horas, tem poucos dias até o jogo. Ele vai abrir o coração dele (para um psicólogo) em meia hora? (…) Eu vou ver o psicólogo e vou perguntar: “Quem é esse cara? Será que ele vai contar para o dirigente? Será que ele vai contar para o treinador?”. Desculpa meu modo sincero de falar, mas eu sou autêntico. Tem coisas inviáveis na seleção brasileira.”

Vejo a posição do ex-técnico como totalmente desconexa do que é o papel da psicologia do esporte e corrobora com a visão critica que tenho com relação a CBF. Certamente, o modelo de gestão e a cultura futebolística que preconizam não cabe o trabalho de um psicólogo do esporte com resultados de médio a longo prazo, com respaldo da comissão técnica e dos atletas. Pobre futebol brasileiro. Lamentável, #7x1eterno !!!

Viva Portugal, e seus atletas coesos e focados. Mais novo campeão europeu. Viva Cristiano Ronaldo, por sua dedicação e perseverança extrema. Viva o jovem Éder, autor do gol do título que buscou auxílio para desenvolver sua confiança através de um trabalho de coaching especializado em alto desempenho. Viva o Futebol que nos emociona e surpreende!!!

 

Referencias 1:

Se você acredita que  cobranças de pênalti é loteria, você está enganado. (Peço licença ao colega, Erick Conde que em uma de suas redes sociais em 27/06/2015 para compartilhar essas informações):
1) emocional
a) por contágio:
Moll, T., Jordet, G., & Pepping, G. J. (2010). Emotional contagion in soccer penalty shootouts: Celebration of individual success is associated with ultimate team success. Journal of sports sciences, 28(9), 983-992.
b) por capacidade de auto-regulação:
Wilson, M. R., Wood, G., & Vine, S. J. (2009). Anxiety, attentional control, and performance impairment in penalty kicks. Journal of Sport and Exercise Psychology, 31(6), 761-775.
Masters, R. S. W., Van der Kamp, J., & Jackson, R. C. (2007). Imperceptibly off-center goalkeepers influence penalty-kick direction in soccer. Psychological science, 18(3), 222-223.
2) Habilidade Cognitiva:
a) Processo decisório
Lopes, J. E., Araújo, D., Peres, R., Davids, K., & Barreiros, J. (2008). The dynamics of decision making in penalty kick situations in association football. The Open Sports Sciences Journal, 1(1), 24-30.
b) Controle atencional
Greenlees, I., Leyland, A., Thelwell, R., & Filby, W. (2008). Soccer penalty takers’ uniform colour and pre-penalty kick gaze affect the impressions formed of them by opposing goalkeepers. Journal of sports sciences, 26(6), 569-576.
Wood, G., & Wilson, M. R. (2010). A moving goalkeeper distracts penalty takers and impairs shooting accuracy. Journal of Sports Sciences, 28(9), 937-946.
Os aspectos psicológicos acima identificados podem ser treináveis, com eficiência comprovada em diferentes estudos sobre:
3) Gestão do estresse:
Wilson, V. E., Peper, E., & Moss, D. (2006). ” The Mind Room” in Italian Soccer Training: The Use of Biofeedback and Neurofeedback for Optimum Performance. Biofeedback, 34(3).
4) treinamento da atenção visuo-espacial:
Wood, G., & Wilson, M. R. (2011). Quiet-eye training for soccer penalty kicks. Cognitive Processing, 12(3), 257-266.
Etc etc. etc…

Referencias 2:

http://www.independent.co.uk/…/england-to-employ-full-time-…

http://patadasygambetas.blogosfera.uol.com.br/2016/06/29/como-freud-explica-messi/

http://futbol.as.com/futbol/2016/06/27/eurocopa/1467031396_426455.html?id_externo_rsoc=comp_fb

http://www1.folha.uol.com.br/colunas/tostao/2016/06/1786685-o-sofrimento-humaniza.shtml

https://sports.vice.com/en_us/article/when-will-soccer-finally-embrace-psychology

http://globoesporte.globo.com/futebol/selecao-brasileira/noticia/2016/04/dunga-dispensa-psicologo-eu-nao-sei-pra-quem-o-cara-vai-contar-o-que-ouvir.html

http://www.ludopedio.com.br/arquibancada/selecao-ainda-emociona-menos-a-nossa/

***
Abraços …

Até !!!

2 comentários em “Psicologia no Futebol”

  1. Perfeito o post! Ainda estamos muito longe de um modelo unificado de desenvolvimento / reabilitação (Físico e Psico) em nosso país.
    Somados a todos os exemplos acima, a declaração do jogador português Eder enaltecendo sua Coaching após o gol do titulo, é uma luz que esperamos que sirva de divisória para esta profissao.

  2. Antonio Roberto Rocha Santos

    Oi Rodrigo, bom dia! Muito bom o seu artigo, sintético, objetivo e verdadeiro. Há expectativas incorretas assim como preconceito em relação a intervenção do psicólogo do esporte. Como você afirma muito bem, o psicólogo não faz a equipe vencer ou ser derrotada. Na verdade, penso eu, o psicólogo do esporte trabalha para o bem-estar dos atletas e equipe, assim os prepara para aproximações com o sucesso. O sucesso esportivo depende de um conjunto de variáveis, fisica, técnica, psicológica, organnizacional, etc. com o apoio de profissionais destas especialidades. O sucesso também depende de fatores não controlados, casualidade, sorte, oportunidade, etc. Esta é a beleza do esporte, a incerteza do resultado final. Parabéns pelo texto. Forte abraço.

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